A busca de satisfação pessoal pelo homem é uma característica inerente à sua existência. Cada um, dentro da esfera de sua individualidade, define o que seria o ideal para lograr a felicidade. Uma família completa, uma casa espaçosa e sucesso profissional são alguns dos aspectos de uma vida estável e feliz que são largamente propagados pela mídia. E, tendo o alcance extraordinário tem que hoje através de diversos canais, a mídia acaba por influenciar as mentes de muitas pessoas.
Levando isso em consideração, não é de se estranhar que o ser humano seja capaz de mudar, às vezes drasticamente, seus costumes e o lugar onde sempre viveu a fim de aproximar-se o tanto quanto puder daquilo que almeja. Muitas vezes, contudo, essa mudança se dá pela necessidade de uma vida mais digna. Não é necessário pensar muito para encontrar traços bastante distintos disso na história do Brasil. A forte migração interna que ocorreu e ainda ocorre dentro do país evidencia o que vem sendo tratado até agora.
O Sudeste, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, cresceu economicamente num ritmo acelerado, diferenciando-se do resto do país que vivia num meio ainda rural. As ofertas de empregos atraíram a atenção dos brasileiros de outras regiões que começaram a migrar para esses lugares promissores em busca de uma vida melhor.
Mais tarde, com o desenvolvimento de outras regiões, os fluxos migratórios foram se direcionado para outros pólos do país. A construção de Brasília, a nova capital do Brasil, colaborou em larga escala com isso.
O foco aqui está voltado exatamente para Brasília, essa cidade que cresceu de tal forma que muitas pessoas saíram e saem dos seus estados natais para estudarem ou trabalharem aqui. A arquitetura moderna e sofisticada das construções, as vagas abundantes para concursos públicos e o vestibular da universidade federal, dentre outros atrativos, funcionam como um ímã de um campo magnético extenso que atrai aqueles que não têm oportunidades iguais onde vivem. A concorrência, característica do mundo capitalista e corrido que vigora hoje, não é, de longe, algo que assuste os mais desbravadores.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2007, o Distrito Federal conta com uma população estimada em 2.455.903. Desse montante, 48,92% é natural do Distrito, sendo 51,08% o número correspondente à população residente não natural.¹ Isso serve para evidenciar o que vem sendo exposto até o momento quanto ao fluxo migratório.
Não foi-nos possível encontrar uma pesquisa relativa ao número de estudantes e “concurseiros” vindos de outros estados, mas não seria errôneo admitir, pelo que se conhece da cidade, que eles estão em grande número.
Concursos
Brasília é também conhecida como “a cidade dos concursos públicos”. O concurso público “é um processo seletivo que tem por objetivo avaliar candidatos concorrentes a um cargo efetivo de uma entidade governamental de uma nação”.² Os concorrentes geralmente fazem uma prova que testa seus conhecimentos em áreas determinadas por um edital. Os salários altos e a estabilidade como servidor público são o que há de mais desejado já que qualquer guinada na economia nacional ou mundial pode abalar as estruturas financeiras de muitas famílias.
Mudar de estado não é tão simples quanto pode aparentar ser. Aqueles que vêm para o DF em busca de uma vida melhor têm que deixar para trás muita coisa para tentar a sorte grande. Por mais que haja um bom planejamento, não é possível saber como será o novo lar até que se chegue lá. E onde é esse novo lar? Geralmente, casas de parentes ou amigos que cá residem. Em casos não menos raros, há também a possibilidade de se dividir um pequeno apartamento com outra pessoa, ou ingressar em repúblicas (“geralmente é uma casa ou apartamento grande, com muitos quartos, todos divididos entre muitos estudantes de vários cursos, períodos, idades e até sexos diferentes”)³.
A não ser que o “concurseiro” conte com a ajuda financeira de seus familiares, ele vai ter um problema a mais: conciliar os estudos com um emprego. E considerando que o custo de vida em Brasília é um dos mais altos do país, tal façanha é cansativa e pode causar um déficit de atenção na hora de se concentrar nos estudos.
E como essas pessoas estudam? A resposta é: cursinho preparatório. Lá se encontra o grosso dos “concurseiros”. Salas cheias, apostilas grossas sobre as carteiras e horas a fio enfurnados em uma sala tentando absorver o máximo possível do que o professor está dizendo. Essa é a realidade daqueles que buscam um lugar na esfera pública. Não importa que direito constitucional seja complicado e que raciocínio lógico pareça impossível, é aprender ou aprender. Vale ressaltar que as parcelas mensais pagas num cursinho são altas, e isso o torna um negócio rentável.
Há aqueles que visam um resultado a longo prazo, ou seja, ingressam numa faculdade ou universidade no curso de Direito. E como a maioria dos concursos exige um conhecimento básico na área das ciências jurídicas, quanto mais especialização houver neste campo, melhor. Contudo, a partir do momento em que a pessoa passa a estudar Direito sua meta tende a mudar: ela quer cargos mais altos na Administração Pública.
Até agora, estamos tratando apenas daquelas pessoas que saem de seus estados natais e vêm para Brasília, mas há quem seja mais prático. Aqueles que não podem se manter em Brasília enquanto estudam para o concurso, preferem estudar perto de casa e viajar para cá às vésperas da realização da prova.
E quando se passa num concurso? Bom, vai de cada um a melhor maneira de comemorar.
Com esse panorama bastante simples, pode-se entender por que os concursos seduzem cada vez mais pessoas. E embora tenhamos abordado apenas o que ocorre dentro dos limites do Distrito Federal, o que foi exposto aqui até o momento pode ser verificado em outros lugares do país.
Vestibulares
Tão concorrido quanto os concursos públicos é o vestibular para o ingresso na Universidade de Brasília. Como a maioria das universidades federais do país, há gente demais para vagas de menos. Cursinhos preparatórios são ambientes que reúnem estudantes de todos os lugares do Brasil. Às vezes, alguns desses ingressantes escolhem cursos não compatíveis com seus gostos e habilidades somente por serem menos concorridos. Estar matriculado na UnB serve como status invejável em diversos grupos de jovens.
A situação dos vestibulares se assemelha bastante com a situação dos concursos. Talvez não haja tantos vestibulandos tentando uma vaga na UnB quanto há concurseiros tentando uma vaga nalgum tribunal, por exemplo, mas é notável também o número de pessoas desejando uma vaga na Universidade. Um bom exemplo a ser tomado é a disputa por uma vaga no curso de medicina (o mais concorrido). O número de pessoas por vaga costuma variar entre 90 e 100.
Paradoxo Cultural
Excetuando-se maiores delongas sobre esses vastos assuntos, vamos abordar o tema do choque cultural decorrente da migração. A partir do momento em que alguém sai do seu estado natal e parte para outro, ela tem em mente que muito vai mudar dali para frente.
O clima de Brasília é “tropical de altitude, com um verão úmido e chuvoso e um inverno seco e relativamente frio”.4 Ou seja, o clima é de longe o fator mais notado quando as pessoas aqui chegam. Por diversas vezes podemos ouvir reclamações do “calor seco sem brisa” de Brasília.
A questão dos sotaques é interessante. Os mineiros e paulistas, por exemplo, são alvos de diversas piadinhas pelo jeito de falar. Quem nunca se surpreendeu imitando o sotaque de algum amigo de outro estado? É algo comum e bastante notado. Os migrantes do Nordeste também são facilmente identificados. Os sotaques mostram a difusão de outras culturas dentro da cultura brasiliense. E chega a ser palpável a diferença nos jeitos de falar. Dependendo da idade e do tempo que a pessoa passar em Brasília, ela vai perdendo, aos poucos, essa identidade cultural.
Quem chega a Brasília pode notar também as modernas construções que fazem da cidade um grande cartão-postal. O Congresso Nacional, a Catedral, o Palácio da Alvorada, dentre outros pontos turísticos, são de parada obrigatória. Se o migrante vem de uma cidade pequena de interior, se surpreende com a grandeza e a beleza da cidade. É um grande impacto visual.
Os costumes entram em conflito também: as comidas, as comemorações, os hábitos. Não faz muito tempo, havia uma campanha do DETRAN chamada “Brasília, Lugar de Cidadania” do Governo do Distrito Federal onde a questão dos costumes foi abordada com graça. Assista a essa propaganda abaixo:
Poder-se-ia enumerar vários fatores que mostram os choques culturais que acontecem não só aqui no DF como em outros estados. E o que queremos passar com isso? Queremos mostrar que é dessa forma que o Brasil vem sendo construído culturalmente: através da mobilização interna. As culturas que se mesclam aqui enriquecem grandemente a cultura geral do país. Sejam por causa de concursos públicos ou vestibulares, as pessoas que vêm para cá estão apenas engrandecendo os costumes do lugar. Perdendo ou ganhando características culturais, vamos galgando degraus elevados da nossa própria cultura.
A cultura de um país mostra suas características, e se aquela está mudando sempre, significa que o país está mudando em outros aspectos também: econômicos, sociais etc. E é disso que o Brasil precisa.
Para finalizar, disponibilizamos uma entrevista feita com Janaio Rodrigues dos Santos, 23, que veio do Nordeste para tentar uma vida melhor em Brasília. Confira abaixo:
FONTES:
1. http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=df
2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Concurso_público
3. http://www.alunosonline.com.br/vestibular/estudar-longe-de-casa/
4. http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasília
Obs.: foram utilizados somente os desenhos das tirinhas, que foram retiradas do site http://www.explosm.net/comics/1866/, as falas originas das personagens foram apagadas e reinventadas pelo grupo.